segunda-feira, 14 de maio de 2018

(DA AUTONOMIA PARTIDÁRIA E O SEU REFLEXO NAS ELEIÇÕES - PARTE 02)



São Paulo,14 de maio de 2018.



Bom dia;



Ainda com relação da análise do citado julgamento paradigma em relação a autonomia partidária com Reflexo nas Eleições, decisão proferida pelo Ministro Fux (TSE) - Processo PJe - MS nº 0601453-16.2016.6.00.000, entendemos que vale destacar trecho da Ementa[1] explicativa e elucidativa da questão controversa:

Sic.


1.         “A Justiça Eleitoral possui competência para apreciar as controvérsias internas de partido político, sempre que delas advierem reflexos no processo eleitoral, circunstância que mitiga o postulado fundamental da autonomia partidária, ex vi do art. 17, § 1º, da Constituição da República – cânone normativo invocado para censurar intervenções externas nas deliberações da entidade –, o qual cede terreno para maior controle jurisdicional (Precedente: TSE – ED-AgR-REspe nº 23913, Min. Gilmar Mendes, 26/10/2004).

2.         Os atos interna corporis dos partidos políticos, quando potencialmente revelem riscos ao processo democrático e lesão aos interesses subjetivos envolvidos (suposto ultraje a princípios fundamentais do processo) não são imunesao controle da Justiça Eleitoral, sob pena de se revelar concepção atávica, inadequada e ultrapassada: em um Estado Democrático de Direito, como o é a República Federativa do Brasil (CRFB/88, art. 1º, caput).

3.          As discussões partidárias não podem situar-se em campo que esteja blindado contra a revisão jurisdicional, adstritas tão somente à alçada exclusiva da respectiva grei partidária, porquanto insulamento extremo é capaz de comprometer a própria higidez do processo político eleitoral, e, no limite, o adequado funcionamento das instituições democráticas.

4.         O processo eleitoral, punctum saliens do art. 16 da Lei Fundamental de 1988, em sua exegese constitucionalmente adequada, deve ser compreendido em seu sentido mais elástico, iniciando-se um ano antes da data do pleito, razão pela qual qualquer divergência partidária interna tem, presumidamente, o condão de impactar na competição eleitoral.

5.         A dinâmica eleitoral não se inicia apenas formalmente na convenção partidária: há movimentos políticos de estratégia que ocorrem antes, pela conjugação e harmonização de forças, como é notório, e notoria non egent probationem, por isso que esse fato não pode ser simplesmente desconsiderado na identificação da razão subjacente ao art. 16.

6.         A mens legis do art. 16 da Constituição de 1988 proscreve a edição de normas eleitorais ad-hoc ou de exceção, sejam elas de cariz material ou procedimental, com o propósito de obstar a deturpação casuística do cognominado devido processo legal eleitoral, capaz de vilipendiar a igualdade de participação e de chances dos partidos políticos e seus candidatos.

7.         Os partidos políticos, mercê da proeminência dispensada em nosso arquétipo constitucional, não gozam de imunidade para, a seu talante, praticarem barbáries e arbítrios entre seus Diretórios, máxime porque referidas entidades gozam de elevada envergadura institucional, posto essenciais que são para a tomada de decisões e na própria conformação do regime democrático.

8.          A autonomia partidária, postulado fundamental insculpido no art. 17, §1º, da Lei Fundamental de 1988, manto normativo protetor contra ingerências estatais canhestras em domínios específicos dessas entidades 3 (e.g., estrutura, organização e funcionamento interno), não imuniza os partidos políticos do controle jurisdicional, a ponto de erigir uma barreira intransponível à prerrogativa do Poder Judiciário imiscuir-se no equacionamento das divergências internas partidárias, uma vez que as disposições regimentais (ou estatutárias) consubstanciam, em tese, autênticas normas jurídicas e, como tais, são dotadas de imperatividade e de caráter vinculante.

9.         O estatuto partidário denota auto limitação voluntária por parte da grei, enquanto produção normativa endógena, que traduz um pré-compromisso com a disciplina interna de suas atividades, de modo que sua violação habilita a pronta e imediata resposta do ordenamento jurídico.

10.        A jurisdição mais incisiva se justifica nas hipóteses em que a disposição estatutária, supostamente transgredida, densificar/concretizar diretamente um comando constitucional.

11.       In casu, a destituição da Comissão Provisória municipal do Partido Republicano da Ordem Social (PROS), com data retroativa, ocorreu na indigitada fase pré-eleitoral, o que pode repercutir na escolha dos candidatos para as Eleições 2016, bem como na formação das coligações, majoritária e proporcional, já definidas, ostentando aptidão para influir, em larga extensão, no prélio eleitoral que se avizinha, como, v.g., as coligações anteriormente formalizadas poderão ser desconstituídas, a substituição de candidatos anteriormente escolhidos etc.

12.       Os direitos fundamentais exteriorizam os valores nucleares de uma ordem jurídica democrática, aos quais se reconhece, para além da dimensão subjetiva, da qual se podem extrair pretensões deduzíveis em juízo, uma faceta objetiva, em que tais comandos se irradiam por todo o ordenamento jurídico e agregam uma espécie de “mais-valia”, nas palavras da especializada doutrina de ANDRADE, José Carlos Vieira. Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976. Coimbra: Almedina, 1987, p. 165, mediante a adoção de deveres de proteção, que impõe a implementação de medidas comissivas para sua concretização.

13.        A eficácia horizontal dos direitos fundamentais, caracterizada pela vinculação direta e imediata dos particulares aos cânones protetivo-constitucionais, consubstancia teoria que atende de forma mais 4 satisfatória, ante (i) a aplicação imediata prevista no art. 5º, § 1º, da CRFB/88 (argumento de direito positivo), (ii) o reconhecimento da acentuada assimetria fática na sociedade brasileira (argumento sociológico) e (iii) o fato de que a Lei Fundamental é pródiga em normas de conteúdo substantivo, o que se comprova com a positivação da Dignidade da Pessoa Humana como um dos fundamentos de nossa República (argumento axiológico).

14.       Os direitos fundamentais possuem aplicação imediata, ex vi do art. 5º, §1º, que não excepciona as relações entre particulares de seu âmbito de incidência, motivo por que não se infere que os direitos fundamentais vinculem apenas e tão somente os poderes públicos. Deveras, entendimento diverso implicaria injustificável retrocesso dogmático na pacificada compreensão acerca da normatividade inerente das disposições constitucionais, em geral, e daquelas consagradoras de direitos fundamentais, em especial, a qual dispensa a colmatação por parte do legislador para a produção de efeitos jurídicos, ainda que apenas negativos ou interpretativos.

15.        A sociedade brasileira, posto profundamente injusta e desigual, com milhões de pessoas vivendo abaixo da linha da pobreza e da miséria, é habitat profícuo para a aplicação, com amplo espectro, dos direitos fundamentais para além da seara estritamente pública. E é exatamente no campo das relações sociais que se verificam, com maior intensidade, os abusos e violações a direitos humanos, os quais podem – e devem – ser remediados mediante o reconhecimento da incidência direta e imediata dos direitos fundamentais, exacerbando as chances de alteração dos status quo, de promoção de justiça social e distributiva e da redução das desigualdades sociais e regionais, diretrizes fundamentais de nossa República (CRFB/88, art. 3º, III e IV). 15. O reconhecimento da Dignidade da Pessoa Humana como epicentro axiológico do ordenamento jurídico pátrio promove relevantes consequências práticas, a saber: em primeiro lugar, tem-se a legitimação moral de todas as emanações estatais, as quais não podem distanciar-se do conteúdo da Dignidade Humana, e, em segundo lugar, ela atua como vetor interpretativo, por meio do qual o intérprete/aplicador do direito deve se guiar quando do equacionamento dos conflitos contra os quais se defronta. Em terceiro lugar, referida cláusula fundamenta materialmente a existência de todos os direitos e 5 garantias, atuando como uma espécie de manancial inesgotável de valores de uma ordem jurídica. 15. Ainda que sob a ótica da state action, sobressai a vinculação das entidades partidárias aos direitos jusfundamentais, mediante o reconhecimento da cognominada public function theory, desenvolvida pioneiramente nas Whites Primaries, um conjunto de casos julgados pela Suprema Corte americana, em que se discutia a compatibilidade de discriminações motivadas em critérios raciais, levadas a efeito em diversas eleições primárias realizadas no Estado do Texas, com os direitos insculpidos na Décima Quarta e Décima Quinta Emendas [Precedentes da Suprema Corte americana: Nixon v. Herndon (273 U.S. 536 (1927)), Nixon v. Concon (286 U.S. 73 (1932)), Smith v. Allwright (321 U.S. 649 (1944)) e Terry v. Adams (345 U.S. 461 (1953))].

16.        As greis partidárias podem ser qualificadas juridicamente como entidades integrantes do denominado espaço público, ainda que não estatal, o que se extrai da centralidade dispensada em nosso regime democrático aos partidos, essenciais que são ao processo decisório e à legitimidade na conformação do poder político.

17.       O estatuto jurídico-constitucional dos partidos políticos ostenta peculiaridades e especificidades conferidas pela Carta de 1988 (e.g., filiação partidária como condição de elegibilidade, acesso ao fundo partidário e ao direito de antena, exigência de registro no TSE para perfectibilizar o ato constitutivo etc.) que o aparta do regime jurídico das associações civis (CRFB/88, art. 5º, XVII ao XXI), aplicado em caso de lacuna e subsidiariamente, na precisa visão da doutrina nacional e do direito comparado. 17. No caso sub examine, a) a questão de fundo debatida no mandamus cinge-se em examinar a legalidade do ato de destituição da Comissão Provisória levada a efeito pelo Presidente Nacional do PROS com data retroativa (i.e., a deliberação ocorreu em 02.08.2016 retroagindo a 29.07.2016) e sem a observância das garantias processuais jusfundamentais da ampla defesa e do contraditório. b) eventual destituição de Comissões Provisórias somente se afigura legítima se e somente atender às diretrizes e aos imperativos magnos, notadamente a observância das garantias fundamentais do contraditório e da ampla 6 defesa, o que não ocorreu, consoante se demonstrou exaustivamente, na espécie.

18.        Ex positis, ratifico o pleito liminar já deferido, a fim de manter a suspensão do ato administrativo de destituição da comissão provisória do PROS no Município de Picuí/PB, reconhecendo, via de consequência, a convenção realizada, até o julgamento final do mandado de segurança.”








Em suma, temos que a tal citada “autonomia partidária” não pode ser interpretada como sendo uma espécie de “carta branca” para a prática de atitudes NÃO Republicanas ou NÃO Democráticas.






Sendo assim, vemos que felizmente a Justiça Eleitoral possui franca competência para julgar questões internas dos partidos políticos - desde que a tal controvérsia possa então afetar as eleições.


Vamos aguardar...


Quem viver Verá ...!!!


Cordialmente


MARCELO AUGUSTO MELO ROSA DE SOUSA

Advogado  - Direito Eleitoral e Partidário


Sócio do Escritório


MELO ROSA E SOUSA ADVOGADOS ASSOCIADOS


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